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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Pubialgia

Pubialgia  INTRODUÇÃO
Existe um abuso de emprego da expressão “dor no púbis”. Isso não só pelos leigos, mas também pelos profissionais do esporte, tanto da área física, como inclusive pelos médicos. Até pelos traumatologistas.

Além disso e, principalmente, observa-se respeito e até medo com o diagnóstico de pubite ou pubialgia. Tanto que o atleta que a apresenta fica desanimado e decepcionado, prevendo longo tempo de transtorno e incapacidade física.
Que problema é esse que causa tanto medo e longa incapacidade?
Será realmente válida tal preocupação e existe essa patologia tão incapacitante?
É nosso objetivo mostrar e descrever todas as possibilidades de envolvimento pubiano e peripubiano que possam ocorrer em atletas e, principalmente, no futebolista.
MATERIAL E MÉTODO
O trabalho foi realizado baseado na avaliação de pessoas com queixas de dor no púbis ou em torno dele, principal-mente, atletas (jogadores de futebol – fundamentalmente – e atletas de outros esportes) e ainda não-esportistas. Observamos as causas determinantes da pubialgia. Complementamos nossas observações com o encontrado na literatura. Agrupamos as patologias conforme o envolvimento ocorresse na sínfise pubiana e imediações ou, então, em volta do púbis.

Entorse interpubiana – A articulação interpubiana (sínfise) é uma anfiartrose, que apresenta mínimos movimentos. A fenda articular tem posicionamento vertical.
São múltiplos os ligamentos. Alguns – os mais centrais – são fibrocartilaginosos. Porém, a grande maioria é de natureza fibrosa.
Tem união muitíssimo forte, com fibras em várias direções, aumentando com isso sua resistência às solicitações, sejam quais forem, independentemente do sentido e da direção que incidirem as forças.
Nunca se deve esquecer que o púbis, juntamente com sua articulação, faz parte do anel pelviano. Por isso, freqüentemente sofre ação forte, que atua em dois pontos distintos como, por exemplo, a articulação interpubiana e uma das sacroilíacas.
Na vizinhança do púbis passa ou existe grande número de estruturas importantes que não se conectam diretamente com ele, mas que pode ter algum problema de difícil diferenciação com envolvimento pubiano ou sinfisiano.
Durante a marcha, ou simplesmente no apoio unipodal, o membro apoiado força cranialmente, enquanto que o suspenso tende a deslocar-se para baixo. Ou seja, ocorre o mecanismo da cisalha. Ele atuaria sobre a sínfise pubiana se esta tivesse algum movimento entre o púbis. Nesse caso o do membro apoiado tenderia a deslocar-se para cima, enquanto o suspenso desceria. Mas em condições normais os ligamentos interpubianos não permitem que ocorra qualquer deslocamento.
Os músculos adutores atuam forçando a abertura da sínfise pubiana. Quanto maior, mais brusca e violenta for a abdução da coxa, mais intenso é o efeito tracionador dos adutores sobre a sínfise (principalmente os músculos originados mais próximo da articulação: adutor longo, gracilis, pectíneo, adutor menor e parte do adutor maior). Os oblíquos abdominais também tendem a abrir a sínfise.
O efeito tracionador dos adutores sobre o púbis no sentido de abrir a sínfise pode também ser observado na abdução forçada da coxa para o lado, mesmo tendo esta flexionada. O reto abdominal, por sua vez, traciona o púbis proximalmente.
Durante a gravidez, por influência hormonal, ocorre frouxidão ligamentar nas articulações do anel pelviano – inclusive na sínfise pubiana – para permitir a descida do feto. Isso é mais notado no período perinatal.
Em algumas mulheres após o parto persiste a diástase interpubiana por algum tempo (poucos meses). Mas após a normalização, com freqüência mantém-se dor local, inclusive em caminhadas, mas principalmente na abdução da coxa. Isso pode limitar a atividade atlética.
Os hipermóveis, excepcionalmente, podem apresentar alguma sintomatologia dolorosa na região da sínfise ao realizarem exercícios que forçam a articulação.
A sínfise pubiana no adolescente não tem a fixação interóssea do adulto. Daí porque podem ocorrer entorses dos ligamentos de união dos dois ossos na abdução forçada de ambas as coxas(4-8).
Mas, independentemente dessa particularidade, as lesões da sínfise pubiana são raras, exceto nos graves acidentes que atingem a pélvis(4,5). Pois, habitualmente e em condições normais, mesmo hipersolicitações fortes não conseguem vencer a resistência ligamentar da sínfise.
A conduta nas entorses sinfisianas é a mesma das demais. Como, habitualmente, não há ruptura ligamentar, usa-se calor, se necessária anestesia local (às vezes também corticóide), repouso – isto é, evitar corridas, saltos, abduções forçadas das coxas – e, ainda, faixa em cinta apertada para manter os púbis mais aproximados.
Contusões – As contusões na área da sínfise são muito dolorosas. Isso porque na superfície subcutânea anterior à sínfise é possível ocorrer intensa tumefação e formação de hematoma, mas sem qualquer perigo ou incapacidade conseqüente. Às vezes, pode criar quadro alarmante ao paciente ou ao médico não especialista, devido ao porte de grande hematoma.
As condutas são as próprias do tratamento das contusões com gelo ou calor, analgesia, antiinflamatório (nem sempre) e aspiração quando houver hematoma grande.
Osteíte do púbis – De origem não traumática, é uma afecção bem definida que envolve a sínfise pubiana. Ela está associada a: 1) infecção do trato geniturinário; 2) cirurgia pélvica ou perineal; 3) gravidez; 4) artrites degenerativa ou reumatóide; e 5) causas desconhecidas.
Porém, as osteítes pubianas freqüentemente são classificadas em quatro categorias: 1) as infecciosas (osteomielite); 2) as que não apresentam germes, mas que resultam de infecção do trato geniturinário (algumas vezes após cirurgia) com distúrbio vascular secundário; 3) as por artrite degenerativa; e 4) as por artrite reumatóide.
O início pode ser agudo ou insidioso. O principal sintoma é dor sobre a sínfise pubiana, no lado medial de uma das coxas, no baixo abdome, no períneo e nas tuberosidades isquiáticas. A dor é agravada pelo caminhar. Usualmente, existe febre. O estudo radiográfico mostra esclerose e rarefação, às vezes com cavitação no púbis junto à sínfise (fig. 1). Seu tratamento depende de sua origem e causa(9).
São raras. Dificilmente existirão nos atletas.


Fig. 1 Osteomielite do ramo isquiático, junto à sínfise pubiana

Fratura do púbis – Ocasionalmente, pode ocorrer fratura do ramo descendente do púbis em atividades físicas – por exemplo, queda com os membros inferiores afastados lateralmente.
Já as fraturas-arrancamentos no púbis fazem parte do estiramento.
Estiramento (distensão) – O púbis é um osso esponjoso, chato. Tem muitos músculos – alguns potentes – relacionados diretamente com ele, quer se originando, quer terminando (inserindo-se). Praticamente ditas uniões ocorrem, quer nas suas superfícies anterior (principalmente) e posterior (raras fibras).
Tem unidades musculotendíneas que se fixam no osso através da parte muscular. Outras pela tendínea.
A união do músculo ou do tendão faz-se com o periósteo (sua profundidade). Não com o osso. A fixação é em área pequena ou grande, dependendo do porte do músculo.
Como vimos, são muitas as unidades musculotendíneas relacionadas com o púbis.
Mas, fundamentalmente, pode-se agrupá-las em: abdominais (oblíquos e reto – principalmente); e adutores das coxas.
O estiramento é a causa mais comum de pubialgia.
Como se sabe, as lesões musculotendíneas por tração ocorrem: na sua união com o osso (quer na origem, quer na inserção), independentemente se com união músculo-óssea ou ten-díneo-óssea; no corpo muscular; na transição musculotendínea; e no corpo do tendão.
O mecanismo é sempre o mesmo: desequilíbrio da relação entre a solicitação e a resistência tecidual, com predomínio daquela sobre esta, quer por hiperaumento da solicitação ou diminuição da resistência. Ou seja, hipersolicitação associada a normorresistência ou, então, em caso de hiporresistência. Quanto à resistência, interessa a habitual, isto é, a normal da pessoa e que depende do nível de preparação. E também a momentânea, que é a encontrada no momento da solicitação. Esta poderá ser muito menor do que a habitual, pois depende intensamente do fator surpresa.
Ou seja, muitas vezes, mesmo um atleta bem preparado globalmente e especificamente, é surpreendido por sofrer estiramento, por não programar-se para determinado esforço ocorrido bruscamente.
Mas não só isso. A lesão também pode ter instalação insidiosa, pela repetição de solicitações que vencem a resistência.
Pois como na preparação dos atletas competitivos a exigência vai à pré-fadiga, evidentemente que fica muito próximo do limite de segurança, tanto global, como das estruturas isoladamente. Também com as unidades musculotendíneas. Com isso aumenta em muito a propensão para as lesões. É o hiperuso.
Grande parte dos estiramentos peripubianos é de difícil diagnóstico, não só pela não identificação de mecanismo agudo absoluto (hiperesforço brusco), como também pela dificuldade de vincular à repetição de exercícios fortes em jovens que sempre estão sendo muito exigidos (hiperuso). Porém, existem esforços intermediários, quando a força não é tão maior que a resistência, de modo que não chega a ocorrer ruptura verdadeira, mas simplesmente tração forte na inserção (reto abdominal) ou na origem (adutores das coxas) junto ao púbis. Daí porque sempre que exista dor peripubiana de natureza não muito evidente como aguda, impõe-se que se pense na possibilidade do estiramento com força intermediária, que traciona o periósteo pubiano e que, se não bem conduzido, poderá determinar manifestações crônicas. Nesses casos ocorre verdadeira reação inflamatória na junção do osso com a unidade musculotendínea.
Pela existência de vários tendões peripubianos, potentes e muito exigidos, a possibilidade de ocorrência de problemas é praticamente inevitável, em qualquer de seus níveis, desde a simples dor até a ruptura. É importante sempre saber-se valorizar e conduzir: a dor musculotendínea é o aviso e o alerta de que esta estrutura está sendo trabalhada próximo, muito próximo, do esgotamento e, portanto, sendo uma pré-lesão. A insistência desregrada será nefasta.
Fig. 2 - Formações ósseas peripubianas após lesões musculotendíneas por tração (distensão) em jogador de futebol, ocorridas em momentos diferentes.
No caso da pubialgia, esses esforços podem causar:
Estiramento do reto abdominal – Ocorre por extensão forçada e brusca do tronco para trás, causando súbita tração do reto abdominal. Ou, também, por sua contração forte contra resistência.
Ele insere-se fortemente no púbis, junto à sínfise.
Se o ponto fraco no momento é o dessa união, ocorrem no local: fratura-arrancamento de fragmento ósseo; arrancamento ou elevação do periósteo, com produção óssea imediata (fig. 2); ruptura tendínea justaperióstea; e simplesmente tração da inserção, sem ruptura.
Nos dois primeiros casos há destacamento ósseo. Instantaneamente, no caso do arrancamento ósseo. Ou tardio, quando a lesão acontece no periósteo. Pois nesse caso forma-se osso, tendo positividade radiográfica um mês ou mais após o acidente. Portanto, sempre é aconselhado fazer estudo radiográfico após estiramento do reto abdominal com manifestação clínica suprapubiana. Se há alguma imagem suspeita, aconselha-se incidência oblíqua craniocaudal de 30º ou, então, tomografia computadorizada. Se negativo, dois meses depois do traumatismo repete-se o estudo radiográfico.
As principais manifestações clínicas são: dor súbita suprapubiana (e até retropubiana) após esforço brusco por que-da para trás, com extensão dos quadris e lombar. Logo pode ocorrer tumefação local. Ou, então, um dia após. Existe hematoma e, muitas vezes, equimose – mais tardiamente, ou até imediato se o hematoma for muito grande.
Tratamento – Esse estiramento habitualmente não cria problema no futuro. Por isso, comumente não há necessidade de conduta radical.
Fazem-se as medidas comuns do estiramento: analgesia, repouso local, gelo e/ou calor, antiinflamatório (não necessariamente). Excepcionalmente, pode ser necessário corticóide local.
Porém, é indispensável o recondicionamento físico gradual e suave da estrutura comprometida, com aumento de sua resistência, por alongamento e melhora da força após qualquer estiramento. Isso deve começar o mais cedo possível, sem que cause qualquer sofrimento ao paciente.
Já nas lesões por hiperuso, o tratamento é: preferencialmente, o preventivo, ou seja, pelo aumento da resistência; para a lesão já estabelecida: repouso específico e dirigido, ou seja, da estrutura envolvida, em que ela é trabalhada em nível que não estimule o sofrimento. Isso até que se consiga a cura. Depois poderá e deverá ser gradativamente mais solicitada para aumentar sua resistência – semelhantemente ao da lesão aguda.
É o princípio fundamental no tratamento das lesões musculotendíneas. Os demais são complementares.
Assim, deve-se ainda considerar: termoterapia localizada (gelo e/ou calor) em qualquer de suas formas; analgesia; antiinflamatório (não é necessariamente obrigatório); em ca-sos rebeldes, pode-se pensar na infiltração de corticóide local, porém, no possível, evitar o tendão e realizar apenas uma vez ou, no máximo, duas; excepcionalmente, torna-se necessária a liberação cirúrgica.
Estiramento dos adutores da coxa – Qualquer um dos adutores pode ser estirado e, portanto, sofrer lesão, nos diferentes graus possíveis. Interessam, contudo, aqueles que estão mais próximos da sínfise pubiana, pois aí é onde surgem as principais dúvidas diagnósticas.
Assim, considera-se: adutor longo, gracilis, pectíneo, adutor menor e adutor maior (parte).
Para ocorrer o estiramento dos adutores (tanto o agudo, como o por hiperuso) necessita-se da solicitação com hiperextensibilidade, que acontece na abdução forçada da coxa, ou contração dos adutores contra resistência.
Semelhantemente ao exposto na lesão do reto abdominal, é possível haver no estiramento agudo: arrancamento ósseo (visto imediatamente pelo estudo radiográfico comum); arrancamento na junção mio (ou tendíneo)-óssea (forma-se ossificação, que será evidenciada radiograficamente um ou dois meses após) (fig. 2); ruptura tendínea; ruptura muscular; simplesmente tração da origem, sem ruptura.
Nesses quatro últimos casos a ecografia ou, então, a ressonância magnética nos serão úteis no diagnóstico do grau da lesão.
Se for junto à origem pubiana, a dor espontânea ou provocada se localiza sobre o púbis. É intensa e incapacitante, dificultando, inclusive, o caminhar.
A dor pode ser provocada por: palpação local; abdução forçada de coxa; e contração dos adutores contra resistência.
Muitas vezes, dificulta inclusive o caminhar. Mesmo nas lesões por hiperuso, a dor pode ser incômoda.
Tumefação é a regra na lesão aguda. Até mesmo o hematoma. Algumas vezes vê-se equimose na raiz da coxa e região adutora.
A conduta habitualmente é conservadora. Raramente, necessita de tratamento cirúrgico. Só se o fragmento ósseo for grande é aconselhável a intervenção imediata. A ruptura isolada de uma unidade musculotendínea não causa prejuízo funcional. Passando o período sintomático, tem atividade física livre.
Porém, a cirurgia poderá ser indicada também nas rupturas antigas em que haja rebeldia das manifestações clínicas às condutas habituais.
Nas lesões por hiperuso a conduta terapêutica é a indicada quando comentamos a do reto abdominal.
COMENTÁRIOS
Nos atletas que apresentam dor pubiana ou peripubiana devemos ser objetivos e não pensar inicialmente em hipóteses diagnósticas esdrúxulas. Pois, disparadamente, as lesões agudas mais comuns são: entorse sinfisiano, contusão e estiramento peripubiano. Já nas de instalação insidiosa (hiperuso) predominam as entorses – em mulheres que já tiveram gravidez – mas, sobretudo, os estiramentos (quer por força intermediária ou por repetição).

Para prevenir a ocorrência de pubialgia crônica é importante primeiro que se faça o diagnóstico correto. Para isso impõe-se tentar conhecer o mecanismo. E, ainda, saber se é agudo ou por repetição.
Após o diagnóstico, propor tratamento adequado. É muito importante ter o repouso específico e seletivo das estruturas comprometidas. Não há necessidade de imobilizar o atleta no todo. Mesmo no estiramento, após passar o período sintomático mais crítico, é possível, inclusive, trabalhar a unidade musculotendínea envolvida, mas sempre em nível baixo, sem forçar o local. Pois pela característica dos atletas, com a ânsia para retornar logo, freqüentemente executam trabalhos que forçam a lesão, dificultando sua cicatrização adequada. Passada essa etapa, logo inicia a preparação gradativa do músculo, tentando aumentar sua resistência e diminuindo a possibilidade de novas lesões.
Com esses cuidados o prognóstico é bom, de solução rápida, evidentemente que dependendo da gravidade da lesão.
REFERÊNCIAS
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Micheli, L.J.: Overuse injuries in children’s sports: the growth factor. Orthop Clin North Am 14: 337-360, 1983.
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